sábado, outubro 08, 2011

Crítica à matéria de capa da Superinteressante

Segue abaixo texto enviado por volta das 13h de ontem (07/10/2011) ao Observatório da Imprensa:

"Superesperta", mas "supererrada" 

(José Edmar Arantes Ribeiro)

A Superinteressante deste mês (Out/2011), que exibe em sua capa o tema "Ciência Espírita", mostra-nos que, em se tratando de assuntos que afrontam o paradigma materialista, continua um desastre. Ao vermos a revista à mostra em uma banca, por um momento pensamos que encontraríamos ali uma espécie de retratação à lastimável reportagem principal de seu número de Abr/2010, "Uma Investigação – Chico Xavier", cuja crítica tivemos oportunidade de publicar aqui, neste Observatório (veja). Mas enganamo-nos... O diretor de redação da Superinteressante, Sérgio Gwercman, o mesmo de um ano e meio atrás, talvez por ser um crente no materialismo, mais uma vez deixou passar uma reportagem relacionada ao transcendente eivada de erros, além de contraditória, ainda que tenha feito questão de estampá-la na capa, mais uma estratégia de marketing habilmente utilizada pela revista, talvez para atrair novamente os leitores que se aborreceram com a reportagem sobre Chico Xavier.

Poderiam alegar alguns que a reportagem pelo menos informa sobre pesquisas acadêmicas realizadas a respeito de cirurgias e terapias mediúnicas, experiências de quase morte e reencarnação, de forma que, dada a excentricidade de tais assuntos, deveríamos eximi-la de críticas. Discordo. Diante de temática tão séria, à divulgação de matérias com dados errados e com a costumeira tendenciosidade e falta de imparcialidade da Superinteressante, seria de longe preferível o silêncio.

Comecemos do começo. Na capa da revista, à chamada da matéria principal ("Ciência Espírita", em letras garrafais) encontramos o seguinte enunciado: "Eles são cientistas. E eles acreditam em espíritos e reencarnação. Agora, estão usando o laboratório para provar que tudo isso não é apenas questão de fé. E dizem que estão conseguindo". Após a leitura da matéria, que se estende da pág. 56 à pág. 65, concluímos, entretanto, que houve erro (proposital ou não) ali. Ora, ao se dizer que os cientistas em questão estavam usando o laboratório em suas pesquisas, transmite-se a ideia de que tudo estaria sendo feito com o auxílio de aparelhagens, etc. Mas em nenhuma das pesquisas apresentadas (de Frederico Leão, de Alexander Almeida, de Sam Parnia, de Peter Fenwick e de Erlendur Haraldsson) é utilizado qualquer instrumento laboratorial! Tais pesquisas são baseadas principalmente em entrevistas e questionários. Assim, um leitor que tenha comprado a revista esperando a apresentação de trabalhos laboratoriais sobre espíritos e reencarnação terá sido simplesmente ludibriado...

Agora passemos à matéria em si. Logo na primeira página (pág. 56) um erro crasso. À ilustração de Peter Fenwick, neurologista do Kings College (Londres), segue-se a descrição: "Pioneiro nas pesquisas de vida após a morte". Desconhecem os autores da reportagem (Pablo Nogueira e Carol Castro) que desde mais de 130 anos antes de Fenwick iniciar suas pesquisas (1985), a partir de trabalhos como os do químico Robert Hare (1781-1858), da Universidade da Pensilvânia, e do juiz John W. Edmonds (1816-1874), da Corte Suprema de Nova York, o assunto já vem sendo estudado no mundo todo? Incrível, mas parece que sim...

À pág. 58, referindo-se aos autores do artigo "Cirurgia espiritual: uma investigação", os responsáveis pela reportagem escrevem: "O que chamava mesmo a atenção era a proposta dos pesquisadores. Eles defendiam a necessidade de mais investigação sobre o 'mundo espiritual'." Mas não é isto o que lemos no artigo. Ali, o que é defendido é a necessidade de um melhor conhecimento dos "mecanismos e eficácia das curas espirituais", o que é diferente.

Na mesma página, em referência ao Departamento de Psiquiatria da USP, está dito (destaque nosso): "Lá foi fundado em 1999 o Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade (ProSER), que se dedica justamente a examinar os efeitos da religião na saúde das pessoas, como no caso das cirurgias mediúnicas". Errado! O estudo de cirurgias mediúnicas não é um exemplo de exame dos efeitos da religião na saúde das pessoas. Pode até haver convergências aí, mas em princípio são coisas bem distintas.

Na segunda coluna da pág. 60, após quatro depoimentos de pessoas que vivenciaram experiências de quase morte, inclusive a de um homem que estivera no estado de coma profundo e que, uma semana depois, em fase de recuperação, voltou ao hospital e reconheceu uma das enfermeiras presentes, lembrando-se "de que fora ela quem tinha retirado os seus dentes e os colocado em um carrinho, com garrafas em cima e uma gaveta embaixo", descrevendo ainda com detalhes a sala e as pessoas que participaram da operação, lemos o seguinte: "Seja como for, isso são só relatos. Acredita quem quer". O questionamento da idoneidade daqueles que vivenciam ou presenciam fenômenos anômalos sempre foi recurso comum utilizado pelos negativistas. Uma pena. Será mesmo razoável duvidar da honestidade de outrem apenas porque relate experiências que se desacredite?...

Na mesma página, no início da seção "Outro lado", em referência às 63 ressuscitações pesquisadas por Parnia e Fenwick, lemos: "Para os céticos, o resultado não poderia ser outro, mesmo que houvesse uma EQM". Mas houve EQM! No artigo dos pesquisadores ("A qualitative and quantitative study of the incidence, features and aetiology of near death experiences in cardiac arrest survivors", Resuscitation 48: 149-156, 2001), encontram-se relatos de 4 experiências de quase morte. O que não ocorreu foram EFCs (experiências fora do corpo).

Na pág. 61, toda coberta por uma ilustração de Sam Parnia, lê-se como parte da legenda (destaque nosso): "Coordena a maior pesquisa da história sobre a existência de espíritos". Bem, apesar dos autores da matéria esforçarem-se por aproximar semanticamente a ideia de uma consciência independente do corpo físico com a ideia de espírito, de alma, não nos parece plenamente lícita esta aproximação. Em termos mais exatos, Sam Parnia coordena a maior pesquisa da história sobre a distinção entre mente e cérebro através do estudo de EQMs.

À pág. 62, lemos: "Alguns pacientes contam detalhes específicos, como o caso da mulher que viu o médico se atrapalhar com o carrinho cirúrgico. Susan, porém, acredita que nesses casos a audição estaria ainda em funcionamento já que é o último sentido a ser perdido , e a mente seria capaz de criar aquela imagem visual". Mas quem é Susan? Por mais que se procure na matéria referências anteriores, não se encontra. Que descuido, hein?!

Foi curioso também ler, na mesma página, que "outros três estudos feitos no século 21 questionaram a ideia de total 'desligamento' do cérebro" (o destaque é nosso). Além de não ter sido feita nenhuma citação anterior a estudos a este respeito, não foram fornecidas referências sobre os três estudos citados, e, de quebra, ficamos com a impressão de que vivemos em século outro que não o 21...

Há que se notar, ainda, nesta mesma página, que o nome do pesquisador que fora ilustrado saiu errado: trata-se de Alexander Almeida, não Alexandre Almeida. (Das quatro ilustrações até então, já é o terceiro problema envolvendo as legendas...)

Na pág. 63, um erro grave de informação: foi dito que o "I Simpósio Internacional Explorando as Fronteiras da Relação Mente e Cérebro" ocorreu em Juiz de Fora-MG, quando na realidade ele aconteceu em São Paulo-SP...

Analisemos agora os parágrafos finais da matéria (segunda coluna da pág. 65), os mais problemáticos.

Dizem os autores: "Desnecessário dizer que as pesquisas com reencarnação são severamente criticadas pela academia". Ora, isto simplesmente não faz sentido, uma vez que todos os pesquisadores citados na matéria fazem parte da academia! Agora, se tais pesquisas são criticadas por outros segmentos dela, e, mais, se são severamente criticadas, como dito, seria necessário, sim, dizê-lo, e de preferência citar os envolvidos. Por que não?... Curiosamente, isto não foi feito...

Em seguida, apontam dois "empecilhos" das pesquisas com crianças que relatam experiências de outra vida: tudo não passar de fraudes elaboradas entre as famílias envolvidas e, desconsiderando isso, o fato de que é comum os pesquisadores só terem acesso aos casos quando os pais da criança já encontraram a suposta família da outra vida dela, complicando a checagem das informações. Até aí, tudo bem. Porém, os redatores acrescentam: "Mais: por um lado, os informantes tendem a 'esquecer' as afirmações da criança que não coincidem com a vida da pessoa que acreditam que ela foi. Por outro, colocam na boca dela informações que só foram obtidas depois, quando as duas famílias já estavam em contato". Ora, com base em quê afirmam isso?... Colocações deste tipo exigem descrição clara dos recursos utilizados para embasá-las. Como nada foi dito a respeito, não podemos tomar tomá-las como reais dificuldades das pesquisas sobre reencarnação.

Fechando a matéria, os autores arrematam (destaques nossos): "Com tantas evidências contra, é difícil não acreditar que os pesquisadores de reencarnações, EQMs e afins se movam mais pela fé do que pela curiosidade científica. Mesmo assim, continua sendo uma forma de ciência, já que a busca é por resultados concretos. Se um dia eles vão chegar a esses resultados? Quem viver verá. E quem morrer também". Aqui, enumeraremos os problemas:

1- Só foram apresentadas duas dificuldades das pesquisas com crianças que dizem lembrar-se de vidas passadas (vide parágrafo anterior), e isto não endossa de forma alguma a afirmação de que os pesquisadores de reencarnações seriam movidos mais pela fé do que pela curiosidade científica. Dificuldades há em todos os campos de pesquisa.

2- Não bastasse o juízo completamente distorcido sobre pesquisadores de reencarnações, os responsáveis pela matéria tentaram aproveitar a deixa para colocar (sem qualquer argumento!) também os pesquisadores de "EQMs e afins" na classe de simples crédulos...

3- Por fim, ressaltamos que o trecho que foi destacado em itálico contradiz o próprio comentário do título da matéria (pág. 57, grifo nosso): "Espíritos existem? E reencarnação? Para alguns cientistas, sim. Pesquisadores sérios, do mundo todo, Brasil incluído, que buscam provas sobre a existência da alma. E eles já conseguiram resultados surpreendentes". Que coerência é essa? Só quem viver verá resultados concretos das pesquisas sobre reencarnação, EQMs e afins (pág. 65), ou os cientistas já conseguiram resultados surpreendentes a este respeito (pág. 57)?... Será que alguma "mão estranha" mexeu na reportagem antes de publicá-la? Suspeitamos que sim. O fecho da matéria impõe um discurso completamente alheio ao que vinha sendo feito até então, e não nos parece razoável que os próprios autores tenham se contradito dessa maneira.

Há um ano e meio atrás, terminamos nossa crítica da matéria sobre Chico Xavier na Superinteressante com a seguinte pergunta: "uma revista dessas é confiável?". Aqui, diremos apenas: seria preciso repetir a pergunta?...


Nota de 14/10/2011, às 22h02minEste artigo está publicado na última saída do Observatório da Imprensa, datada de 11/10 (veja-o aqui ou aqui), mas chegou a ser "despublicado" (!), devido ao fato de eu não ter aceito os "enxertos" impostos ao texto, o que foi-me avisado às 13:48 daquele dia, na pessoa de Luiz Egypto: "seu artigo foi 'despublicado' até que tenhamos tempo hábil para reavaliar os intertítulos que tanta espécie lhe causaram". Não questionei, pois, já que eles não queriam retirar os intertítulos que não eram de minha autoria, algo minimamente razoável em um órgão que prezasse pela ética jornalística, então seria melhor mesmo "despublicar" o artigo. Acontece que as poucas horas que o texto ficou exposto no OI em 11/10 (seção "Imprensa em Questão") foram suficientes para que ele fosse republicado em ao menos 3 blogs. Sendo assim, enviei às 2:41 de 12/10 uma mensagem ao Observatório pedindo que voltasse a tornar o artigo público e que ao menos dissesse explicitamente que os intertítulos não eram de minha autoria. Às 6:08 daquele dia recebo uma mensagem de Luiz Egypto dizendo que o artigo já estava novamente disponível ao público. O curioso, porém, é que os intertítulos haviam sido mudados... (Para ver o artigo como foi publicado originalmente no OI, observe sua reprodução no Guia Global aqui. Nota: infelizmente, o Guia, sem qualquer razão de ser, ilustrou o texto com a capa da Superinteressante de Abr/2010, o que poderá confundir leitores que travarem contato pela primeira vez com o artigo ali.) Sendo assim, em lugar da observação "Intertítulos do OI", que atualmente aparece anteposta ao artigo, deveríamos ter algo como "Intertítulos inseridos pelo OI e atualizados em 12/10/2011", pois a realidade é esta, e o leitor deveria saber! Falei sobre isso em uma mensagem enviada às 15:37 de 12/10 para Luiz Egypto e em uma mensagem enviada às 20:42 de ontem (13/10) diretamente para o Projor, órgão responsável pelo OI. Nada foi feito. Resumo da história: enviar artigos para o Observatório da Imprensa é furada. Eles metem a mão no seu texto, não avisam, e depois, com o artigo já reproduzido em outros locais, ainda remexem nos próprios "enxertos"! É de lascar...

Nota de 29/08/2012, às 18h59min: Na mesma mensagem enviada às 15:37 de 12/10/2011 para Luiz Egypto (mencionada acima), disse-lhe também que, no campo "Outros textos deste autor", não aparecia meu outro artigo publicado no OI (idêntico problema ocorria no mesmo campo do outro artigo). Como em 03/12/2011 constatei que os problemas não haviam sido corrigidos, tratei de contactar diretamente Andrea Baulé e Leila Sarmento, que constam aqui como responsáveis pela página do OI na Web. Não tendo obtido qualquer resposta e nada tendo sido feito até 10/12/2011, comuniquei novamente neste dia os problemas aos responsáveis pelo Observatório, através da opção "Fale conosco" da página do OI. Sem sucesso... Fiz o mesmo em 15/02/2012. Sem qualquer resultado... Até que resolvi contactar ontem (28/08/2012) o Dr. Caio Túlio Costa, que intercedeu por mim junto a Luiz Egypto para que resolvesse a demanda. E os problemas foram, finalmente, resolvidos!... Não é preciso pensar muito para perceber que tamanha despreocupação com o caso foi uma maneira de me "punir" pelas críticas mencionadas na nota acima. Fica a pergunta: tamanho melindre é condizente com uma entidade que se propõe a dar voz à sociedade civil na mídia?

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